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8 de Maio de 2024

Ao falar sobre racismo, Alexandre Garcia faz o comentário mais ignorante do ano

Alexandre Garcia diz, na TV Globo, que o "Brasil não era racista até criarem as cotas". Será que o apresentador considera que a sua colega de trabalho, Maria Júlia Coutinho, do Jornal Nacional, não seria chamada de "macaca fedida" caso no Brasil não existisse política de cotas?

há 9 anos

Na última semana, durante comentário em que criticava o cadastro do ‘Simples Doméstico’ — regime unificado de pagamento de todas as contribuições e encargos do trabalhador doméstico — Alexandre Garcia fez uma ‘revelação fabulosa’.

Com cara de indignado, o apresentador da Globo afirmou que “o Brasil não era racista até criarem as cotas”. Discípulo de Ali Kamel, diretor da Globo e autor do livro “Não Somos Racistas”, Garcia dá a entender que a escravidão no Brasil foi obra de ficção e que, só a partir da implantação das cotas é que esse tal de ‘racismo’ apareceu.

Será que Alexandre Garcia, que é ex-porta-voz do general João Batista Figueiredo, o último carrasco da ditadura militar, considera que a sua colega de trabalho, Maria Júlia Coutinho, do Jornal Nacional, não seria chamada de “macaca fedida” caso no Brasil não existisse política de cotas?

Leia, a seguir, trechos do texto de Cidinha da Silva, do DCM, em resposta ao comentário de Alexandre Garcia:

Alexandre Garcia e as cotas

Dia desses um palpiteiro global de política, economia, educação e costumes fez mais uma. Alexandre Garcia, em incursão midiática diária, deu voz histriônica à Casa Grande ao atribuir às cotas a responsabilidade pela institucionalização do racismo no Brasil.

Operadores de mídia como Alexandre Garcia vivem em um mundo particular de invenção de verdades, à revelia da pesquisa séria feita na universidade e institutos de pesquisa científica. Ao mesmo tempo veicula discurso descolado da vida do povo e o vende a este mesmo povo, como ópio, via televisão. O jato verborrágico sobre as cotas e a institucionalização do racismo é exemplar.

O palpiteiro não sabe que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE é um dos órgãos de recenseamento mais respeitados do mundo. Nosso IBGE exporta tecnologia para a América Latina, Caribe e África pelo menos desde a década de 1980. Tem assessorado processos diversos e complexos de contagem humana, por exemplo, aqueles levados a termo no Haiti, pós-terremoto de 2010.

Foram os técnicos do IBGE que depois de décadas de pesquisa, produção de conhecimento qualificado e debate com a sociedade civil organizada chegaram à categoria raça/cor, no afã de abarcar os complexos e diversificados sistemas de classificação racial vigentes no Brasil, desde o recenseamento de 1872. São cinco as categorias adotadas pelo IBGE: preto, pardo, indígena, amarelo e branco. Atribuídas às pessoas por elas mesmas, ou seja, por auto-classificação.

O levantamento dessa informação pelo IBGE atende a dois vetores fundamentais: primeiro, respeita o levantamento do tema feito pelos recenseamentos no país desde 1872. Quem trabalha com números comparados, mesmo de maneira rudimentar (procedimento evitado por quem inventa verdades), sabe que as categorias precisam ser mantidas ao longo do tempo para que possam ser comparadas. Por isso, a partir de estudos de viabilidade técnica, o IBGE concluiu que a melhor forma de levantar informações para retratar o matiz racial da sociedade brasileira e compreender as mudanças e flutuações dos grupos raciais e étnicos é pela aferição da categoria raça/cor.

Quanto ao segundo vetor, desde o censo de 1991, o IBGE tem se notabilizado pelo diálogo com a sociedade civil e pela sensibilidade para a reformulação de alguns itens já constantes do questionário, bem como a inclusão de outros, quando possível e tecnicamente sustentados. Vale lembrar que a incompetência e descaso da equipe de Fernando Collor com a manutenção do Censo a cada decênio interrompeu uma longa série. Como resultado o Censo de 1990 foi realizado em 1991.

No escopo desse diálogo, discutiu-se a partir de meados dos anos 1990, a possibilidade de incluir o quesito negro, como opção de auto-classificação no Censo que seria realizado em 2010.

Tecnicamente não foi possível fazê-lo, pois além de quebrar a série histórica seria oneroso. Contudo, adota-se desde aquela década a estratégia de somar as informações demográficas de pessoas autodeclaradas pardas e pretas para configurar a informação geral sobre o grupo negro. Isso é possível porque as diferenças entre os dois grupos, pretos e pardos, não são demograficamente significativas. Atende-se assim a uma demanda da sociedade civil organizada e respeita-se a forma como cada indivíduo recenseado percebe a si mesmo do ponto de vista do pertencimento racial.

Pois bem, informamos a Alexandre Garcia que é pelos motivos elencados nessa crônica que o IBGE mantém o quesito raça/cor em seu questionário. É por este motivo também que as pessoas e instituições preocupadas com o conhecimento aprofundado da realidade brasileira o valorizam e aplicam.

O preenchimento do item raça/cor nos possibilita saber quantos negros auferem lucro suficiente para serem aceitos na Federação das Indústrias de São Paulo, a FIESP, e quantos são pequenos e microempresários. Este item nos questionários permite-nos quantificar o número de negros e brancos em determinados setores, a exemplo do Ministério Público, do corpo docente das universidades, das demais categorias profissionais de prestígio.

É óbvio que para pessoas como Alexandre Garcia perceber onde estão negros e brancos nos extratos sociais do país não passa de mera constatação visual. Nesse exercício, abundâncias e ausências são naturalizadas. Dessa forma, a presença massiva de trabalhadores negros nas imagens da greve dos garis de 2013, no Rio de Janeiro, bem como a ausência de pessoas negras em qualquer turma de formandos de Medicina verificada em qualquer universidade federal do Brasil, no período pré-cotas (antes de 2002) são demonstrações de que as coisas estão nos seus devidos lugares.

As cotas para negros nas universidades públicas, a lei de cotas referendada no STF em 2013, desestabilizam esse terreno, provocam rachaduras incômodas nos alicerces da Casa Grande. Elas provocam as conexões de Alexandre Garcia com a ditadura civil-militar e com Paulo Maluf, tornando mais peçonhento o veneno que escorre pelo cantinho de seus lábios todas as vezes que a cabine de controle da casa grande é ameaçada.

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4 Comentários

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Racismo sempre houve.
Mas concordo com o Alexandre Garcia quanto à contribuição da instituição de cotas raciais em disseminá-lo. continuar lendo

Concordo plenamente com seu comentário, pois, as cotas raciais apenas exacerbaram os ânimos, criando assim, uma lacuna ainda maior entre o negro e o branco. Alexandre Garcia "falou e disse". continuar lendo

Implantar um sistema de cotas raciais, num país onde o grau de mestiçagem é altíssimo, como o Brasil, é ilógico. Aqui não é Estados Unidos. É só verificar o caso emblemático dos irmãos gêmeos, em que um foi considerado negro e o outro não pela Unb.

A solução, agora, é um tribunal racial, onde terceiros irão definir a tua raça? É isso que já está acontecendo em âmbito estadual. Quer dizer, você pode se achar pardo, mas se no dia da entrevista estiver mais pálido de nervoso, ou mesmo alguém não for com a tua cara, você poderá ser "sentenciado" como branco?

Essa tal "comissão de verificação com relação à autodeclaração" parece aqueles órgãos nazistas que verificavam o fenótipo de supostos judeus! É absurdo. E quem disse isso não fui eu, mas o Procurador Cabeleira, que usou esse mesmo exemplo.

E os casos em que a família inteira é negra/parda e o filho nasce branco? Quer dizer, a pessoa teve todas as condições sociais de uma família negra, todavia, não poderia, em tese, concorrer às vagas.

O ideal seria um critério puramente social, onde a inclusão de mais pessoas negras e pardas, que realmente não tiveram condições de estudos, seriam automaticamente beneficiadas.

Pelo sistema atual, na questão de inclusão racial, somente os negros e pardos com condições sociais melhores têm oportunidade. O pobre, independente da raça, será excluído.

Nivela por cima, não inclui os mais pobres. É mudar para continuar tudo igual.
Em suma, o sistema não inclui satisfatoriamente, haja vista casos como o do Itamaraty, negros e pardos, não inclui pobres, não funciona. continuar lendo

O texto menciona muito sociedade civil.

A pergunta é quem inventou as cotas e a auto declaração?

A resposta se faz necessária porque para resolver sobre cotas aconteceu o debate público no STF, o Negro não se fez presente e sim o AMICUS CURIAE (AMIGOS DA CORTE).

Sobre auto declaração informa o texto que a sociedade foi consultada.

Acontece que Negro ainda não esta sendo aceito como segmento organizado da sociedade civil.

Raul Marino Jr., professor titular emérito de Neurocirurgia e professor livre-docente de Ética Médica e Bioética da Faculdade Medicina da USP:

"..A Antropologia demonstra que o homem é o único animal moral e que ele ou é ético ou não é homem.

A Sociologia, por sua vez, demonstra que nenhum homem pode ser ético ou moral sozinho – ele precisa viver entre seus semelhantes para sê-lo. Sozinho, o homem pode não saber quem ele é nem para onde vai, nem ser responsável por seus atos.

A moral, às vezes considerada como ciência, é também uma arte: a arte de viver e como viver como um ser humano, dentro dos bons costumes e usando bem sua liberdade. Mas, o que é mais importante, ela tem suas leis..."

Direito à Vida considerado o mais fundamental dos Direitos Humanos, mencionam o Negro e como deve ser para o Negro mas ainda não aceitam o Negro.

Não há dúvida estar sem sentido tanto Alexandre Garcia como as opiniões.

JusBrasil esta ficando bom porque texto sobre Negro só acontecia deboche, o que não foi suficiente, atualmente cada dia mais aumenta artigos sobre Negro e racismo, o que estamos vendo é a maioria sem manifestação, muito bom, calou os contrário sem noção da vida do semelhante, mas se colocam como sabem mais do que o Negro.

Importante saberem, sem advogado não há justiça, Negro nem quem defenda seus direitos tem ainda. Tomamos na cara e temos que ficar quietos.

Tenho visto excelentes texto e cada dia aumentando, é por ai, o Negro esta chegando como o mais novo segmento da sociedade e só o Negro pode falar por ele e a dor que ele sente, se o processo é nacional e de igualdade o direito tem que ser para todos.

Injustiça acontecendo ao requerer OAB ou mesmo Defensoria Pública e Ministério Público, sermos tratado como não existimos.

Somente através do respeito poderá formar à educação, cada um deve falar por si, não forma sentido, definir o que é bom para o Negro e não ouvir o Negro.

Clique ou copie e cole na janela e conheça mais.

http://www.afrodescendente.net.br/pdf/drauzio_2015.pdf continuar lendo